quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

APRENDER A VIVER: É ISSO QUE SE FAZ... A VIDA INTEIRA


Um tempo quis ser violoncelista. Tive umas aulas no Conservatório Pernambucano de Música com um “cellista” da Sinfônica do Recife. Mas essas aulas não me serviram de muita coisa, não aprendi tocar violoncelo. Daquelas duas ou três aulas ficou uma lição: certos encontros mudam a vida da gente para sempre.

Enquanto tentava me ensinar, em vão, o modo correto de segurar o arco, o professor falou que só conseguimos tocar bem um instrumento se fazemos dele uma extensão do nosso corpo. A coisa semelhante ao ganho de mais um membro, semelhante aos óculos: você fica tão acostumado a enxergar o mundo através deles que nem se da contar que sobre o nariz carrega um par de lentes sustentadas por uma armação. O instrumento muda nossa maneira de interagir com o mundo.

Um filho é algo parecido, pelo menos para os que aceitam a paternidade na sua totalidade. Ele muda nossa maneira de ver, agir e reagir. Meu tônus emocional depende do humor de João Victor. O menor sinal de desconforto dele já me deixa aflito. Hoje foram as assaduras, talvez consequência do calor de verão, final de novembro foi a virose. Essa reação, com certeza, tem muito haver com seu histórico de internações, as cirurgias, a UTI. Pode ser. O certo é que eu e Valéria ficamos muito, mas muito mesmo, “para baixo” com qualquer doença dele, mesmo aquelas que toda criança tem ao longo da vida.
Nosso encontro com João Victor foi radical.
Em nossos planejamentos, mesmo os mais triviais, ele está em primeiro lugar, pois a felicidade dele é a nossa também.


Talvez o nosso desafio, seja a superação da doença como ameaça perpétua e, também, encontrar um ponto de equilíbrio, um modo de garantir a ele, e a nós também, a liberdade para trilhar seu caminho, numa palavra: autonomia.

O fato de João Victor ser portador de síndrome de down não pode fazer dele um coitadinho. Ele não pode, alias, não temos como mantê-lo num redoma a vida inteira a salvo de todo o mal deste mundo.

Ele está com quase 3 anos. Ainda não fala. É esperado que os downs falem ao 5 anos. Então, temos que advinha pelos seus gestos e pelos sons que emite quais são as suas reivindicações, seus desejos. Se quer brincar de bola ou ver TV é fácil distinguir, difícil é saber quando quer banho, ou passear na rua. Porém, em muitas coisas o nosso corpo tem se tornado extensão do dele de modo totalmente desnecessário, como comer e tomar água ou leite. Ele já consegue pegar a colher e levar à boca, e também sabe segurar a mamadeira, mas não come nem bebe sem a mediação de um adulto. Precisava, nessa hora, se autônomo, mas não estamos sabendo lhe ensinar como se adquire essa tal autonomia.

Bom, o certo é que nessa caminhada, temos muito a aprender nessa feliz jornada ao lado desse rapaz que tanto amamos e não conseguimos imaginar o mundo sem a presença dele.

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