sábado, 5 de novembro de 2011

A QUE TUDO SE DESTINA






Ainda acho impossível desvincular João Victor da cardiopatia. Às vezes penso que é dele que Manuel Bandeira fala quando retrata a si mesmo em “Andorinha, Andorinha”. Aliás, o verso/prosa “a história da minha adolescência é a história de minha doença”, trocando “adolescência” por “infância”, se saísse da boca de João Victor não seria recitação de lavra alheia, mas uma confissão, um desabafo, pessoal.

Mas não queremos que seja verdadeira a frase de Bandeira na vida do João. Precisamos descobrir e acreditar que pra ele existe vida, e muita vida, além da doença.

Tem mais.

Semana passada Valéria me falou de um rapaz down, com quase 30 anos de idade que só come comida pastosa e ainda precisa de auxilio de outra pessoa antes e depois de realizar suas necessidades fisiológicas. A mãe dele, já cansada de tanta luta, desistiu de mudar essa realidade. Tirou o rapaz da escola, ele não tem nada pra fazer, fica. E vai deixando o tempo consumir a vida, a pouca que ainda resta.

Foi principalmente por causa desse caso que acordamos para necessidade, urgente, de “esquecer” a cardiopatia e nos concentrarmos na síndrome.

Até agora, cuidamos de João Victor como se ele fosse um bebê, parece que não enxergamos que ele está crescendo e o melhor cuidado que podemos dar a ele é investir na sua autonomia. Sobre isso, há tempos, o pessoal da APAE nos vinha abrindo os olhos. Mas foi preciso um choque de realidade para perceber a verdade.

Hoje, orientados pelas meninas da APAE, começamos uma serie de exercícios de terapia ocupacional (T.O.) com ele. O objetivo é fazer com que João Victor adquira concentração e aprenda a utilidade, a que se destinam os objetos. Coisas simples, como: o lápis risca, a tinta no pincel pinta etc.

Hoje queríamos que ele riscasse uma folha de papel, mas nem no lápis queria pegar. Depois que desenhei um relógio no pulso dele, sorriu e começou a rabiscar, não no papel, esse nem quis ver. Fez riscos na mão, nos braços, nas pernas e na barriga dele. Não sei se mais pelo traço ou pelo prazer da ponta do lápis tocando sua pele. Bom, o objetivo é saber que o lápis risca. Achamos que ele entendeu. Amanhã vamos voltar com a mesma tarefa.

Para que a história da infância de João Victor não seja apenas história da doença, precisamos trabalhar pesado para que ele, na infância, aprenda falar, ler, contar, comer sozinho, mastigar os alimentos e muito mais coisas. Coisas que a maioria das crianças ditas normais aprende quase que por osmose, mas que no caso de um down precisa ser estimulado e às vezes até adestrado.

Há muito trabalho pela frente.



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sábado, 1 de outubro de 2011

AS FÉRIAS DO JOÃO


Semana passada estivemos, os três, em São Paulo. Levamos João Victor ao HCor para uma consulta com a Dra. Magaly que, junto com seu esposo, Dr. Bento, operou João Victor em dezembro 2008 e setembro 2009.

Depois da consulta fez um eco cardiograma, la mesmo no HCor.

A necessidade doutra intervenção cirúrgica não foi descartada, permanece o mesmo diagnóstico, aqui relatado há 2 anos atrás, de que em 75% dos casos semelhantes ao do João o coração se adapta à nova realidade pós correção, os outros 35% volta ao centro cirúrgico no final da adolescência para colocar uma válvula no ventrículo direito.

Mas não foi essa incerteza matemática que marcou essa ida ao HCor.

Dessa vez, o que marcou foi a alegria estampada no rosto de todos que reencontramos lá, desde o pessoal da segurança, passando pelo corpo médico à diretoria clínica. Incrível como eles lembram da gente. Também somadas as dias internações, foram quase três meses ali dentro. Daniela, da enfermagem, e Dra. Suely, da UTI ficaram encantadas com o estado clínico dele. Inêz, da diretoria clínica, gostou não sou do aspecto dele mas também da minha aparência e da Valéria, segundo ela, muito melhor do que o semblante de angústia e medo que ostentávamos há dois anos atrás. Quanto à médica que o operou, essa só foi otimismo. Achou João ótimo, muito além do esperado. Também todo ótimo com no ecocardiograma.

Depois da passagem pelo HCor, começamos nossas férias. Curtimos São Paulo e Campos dos Jordão, fechando o passeio com um animado churrasco com nossos amigos em Guarulhos.

Se foi bom??

Vejam as fotos.
















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domingo, 11 de setembro de 2011

SERÁ QUE O MILAGRE ACONTECEU?

A última semana de julho e a primeira de agosto foram as mais longas que vivemos nesse ano. Parecia uma noite quente, mal dormida, de pesadelos, dessas que a gente fica aliviado quando acorda.

No dia 21 de julho, pelas 18 horas, peguei o resultado da ultrassom de abdômen de João Victor. Era um exame de rotina, que não nos preocupava. Quando ele tinha 06 meses de vida descobrimos que tinha um cálculo na vesícula. Desde então, duas vezes por ano, fazia uma ultrassom para acompanharmos a evolução do cálculo.

Dessa vez, a conclusão mostrou que, além do cálculo, havia um edema (um tipo de inflamação) na vesícula. Liguei para o cirurgião que acompanhava o caso desde o ano passado. De imediato, mandou entrar com antibiótico e avisou que deveríamos marcar uma consulta com ele para, possivelmente, agenda a cirurgia de retirada da vesícula.

Não deu pra entrar com antibiótico logo. Primeiro não tínhamos receita; depois, porque conversamos com a cardiologista dele e ela não aprovou uma receita de antibiótico passada via telefone e, principalmente, porque, até então, não havia sintoma alguma de que a vesícula estivesse mesmo inflamada. Até então não havia, mas na segunda feira, pelas 15:30, ele teve uma forte crise de dor. Coitado, ficou pálido e quase desfaleceu de tanta dor. Corremos com ele para o hospital de Goiana, deseperados, com a roupa do corpo.

No hospital deram a ele uma injeção de buscopan. Alívio imediato, graças a Deus. Mas como não havia cirurgião de plantão, nem esperamos ele terminar o soro e disparamos para o Recife, para emergência do Santa Joana, lá João é velho conhecido. Chegamos no Santa Joana perto das 7 da noite. A pediatra que o atendeu nos reconheceu de outras noitadas por lá, leu os resumos das duas últimas ultrassons, e saiu para falar, via celular, para o cirurgião do hospital que, concidentemente, era o mesmo que acompanhava o caso da vesícula do João, e tinha receitado o antibiótico por telefone. Ela e já voltou com a receita pronta: Buscopan gotas, de 8/8 horas, e Zinnat ( antibiótico) 4 x dia, durante 14 dias.

Dai começou a angústia. Primeiro problema, o cirurgião que o acompanhava avisou que não operava pelos planos de saúde do João. Depois, consultamos um cirurgião em João Pessoa que, numa consulta relâmpago, coisa de 4 minutos, decidiu pelo caminho cirúrgico para o mais breve possível. Procuramos outro cirurgião, conveniado ao plano Ideal Saúde. Esse, muito cauteloso, fez uma consulta demorada, quis saber do histórico clínico do João Victor e disse que, não tinha certeza se era o momento para tirar a vesícula do nosso rapaz. Deixou explícito que, na sua opinião, numa criança como o João o melhor é só mexer o mínimo possível.

Esse último cirurgião, com seus cabelos cor de prata, sorriso sereno e voz calma, mandou suspender de imediato o antibiótico que João vinha tomando há 7 dias e pediu para repetir a ultrassom, preferencialmente com o mesmo ultrassonografista que diagnosticou o edema, Dr. Amaral, que na sua opinião e na de muitos médicos é o melhor ultrassonografista do Recife.

Voltamos ao Dr. Amaral na mesma semana.

Enquanto ele fazia o exame, desejei profundamente que o edema tivesse sumido. Meu desejo se realizou, mas não foi só edema que sumiu, o cálculo também não estava mais lá. Saimos de lá com essa conclusão no laudo da ultrassom: "Exame dentro da normalidade. Houve desaparecimento das imagens do cálculo e do edema da parede da vesícula biliar identificados em ultrassonografia anteriormente realizada neste paciente".

Na sala em que fizemos o exame, na frente do médico e da sua assistente, Valéria só ria e chorava. Eu, especulador, perguntei ao médico como o cálculo sumiu, para onde ele tinha ido, se poderia está em outra parte do corpo, próximo da vesícula. Ele respondeu que não sabia como a pedra foi expelida, disse que, talvez, o cálculo tenha saído na crise de dor e não acreditava que a pedra estivesse fora da vesícula do João, senão ele estaria com sintomas de infecção (febre alta) e muita dor. Mas João Victor estava ótimo, nada de febre, nada de dor, comendo e dormindo bem. Por fim, o Dr. Amaral deu de ombros e falou: “Foi o poder de Deus”. Tive vontade, mas não perguntei a religião dele.

Voltamos ao cirurgião de cabelo prateado. Ele ficou incrédulo. Disse nunca ter visto algo semelhante. Mas sorriu e falou: “ se antes eu já não queria operar, agora é que não opero mesmo”. Recomendou que repetíssemos a ultrassom. Perguntei se dentro de 90 dias. Ele: “não, não! Toquem a vida pra diante, basta repetir daqui a 6 meses”.

As pessoas a quem conto o caso, principalmente as que acompanharam nossa angústia de julho, ficam aliviadas do susto, mas algumas, a minoria, recomendam precaução e atenção em vez euforia e comemoração. Acho que estou ao lado da minoria. Até, demorei fazer esse post devido a essa incerteza. Não é incredulidade, é dúvida.

Não sei se o milagre aconteceu, não sei. Só sei que passada a primeira semana de agosto João Victor esteve ótimo de saúde. Justo em agosto, que dizem ser mês de desgosto, nós fechamos um círculo de angústias e retornamos ao caminho da esperança. Desse milagre não tenho dúvidas.


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terça-feira, 19 de julho de 2011

QUEM FAZ MEDO PRA MEDIAL?


A cantiga debochada dos 3 porquinhos até serve pra fazer rima com a o nome da operadora de plano de saúde que tentou barrar João Victor. Mas preferi o trocadilho que intitula esse post. Afinal do que uma grupo empresarial que controla 3 operadoras de plano de saúde (Amil, Medial e Excelsior) tem medo?

Por mais poderosa e auto confiante, auto suficiente e autoritária que queira ser, toda grande empresa morre de medo de ter prejuízo decorrente de indenizações judiciais, sim porque a Justiça é morosa e tardia, mas um dia ela apresenta a fatura e alguém tem de pagar.

Uma grande empresa, seja ela qual for, morre de medo de fazer seus diretores e gerentes terem de passar pelo depor numa delegacia de polícia, mesmo que seja uma especializada de crimes das relações de consumo.

Não quer, também, correr o risco de responder a processos administrativos nas agências de controle do governo federal. No caso das operadoras de planos de saúde, nenhuma delas gosta de ser autuada pela ANS (http://www.ans.gov.br/).

Porém, o que assusta mesmo esses grupos é ficar mal na fita. É péssimo para os negócios passar por vilão numa conjuntura em que expressões como “inclusão” e “responsabilidade social” estão na moda. É mesmo um desastre para os negócios ser vilão numa história cujo enredo mistura preconceito, criança com Down e poder econômico.

Pois foi tanta gente reclamando, mandando e-mail pra Medial, ligando pro 0800, espalhando o caso através do face book, Orkut, blogs etc, que nem precisei usar metade do arsenal legal/institucional disponível e a Medial já resolveu voltar atrás e, mesmo a contragosto fez a inclusão de João Victor.

Quinta-feira fomos chamados para a perícia e hoje assinei, no escritório deles no Recife, nova solicitação de adesão. Na presença de uma testemunha cumpri todas as formalidades, fiz o pagamento e recebi a informação do funcionário que até o final desta semanas a inclusão estará implatada no sistema e João Victor poderá ser atendido normalmente, inclusive com algumas carências reduzidas.

Agora, como diz meu amigo Marx Igor, João Victor é o menino “mais planejado” que existe. Tem 3 planos de saúde, Ideal, Unimed e Medial. Lógico que vou cancelar a Unimed, de imediato, e o Ideal assim que ele sair das pré-existências também ficará pra trás. Mas, por um bom tempo terá que ficar com dois mesmo.

Isso é o de menos. Só espero que já tenha tido todos os aborrecimentos possíveis com a Medial, que daqui por diante a relação seja pacífica, que cada um cumpra sua parte: eu pagando em dia e eles garantindo o serviço com a qualidade que anunciam. Se for assim, tudo será bom, mas se não, não temo a refrega. Se é pra defender meu filho, nada me mete medo.

E tudo fica mais fácil quando se tem amigos. Obrigado a todos vocês... por essa, e por outras.
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quinta-feira, 7 de julho de 2011

MOTIVO E MOTIVAÇÃO PARA LUTAR ( ou Por que precisamos enfrentar um leão a cada esquina?)


Eu sabia que não seria fácil, mas também não imaginava que seria tão trabalhoso.

Não é difícil ser pai de uma pessoa com necessidades especiais. É trabalhoso, apenas trabalhoso. Nada vem fácil, “não há vitória sem luta”, mal ensaiamos a comemoração de uma conquista e já se avista nova peleja.

Em post antigo falei da inclusão de João Victor em um bom plano de saúde, mas nem precisei usar pra descobrir que não atendia às nossas necessidades. O tal plano, UNIMED Joao Pessoa, afora-se em oferecer cobertura nacional, mas, na gripe braba do João, que beirou a pneumonia, quando estivemos na emergência do Sta. Joana, tive a ideia de averiguar se lá poderia usar a Unimed recém contrata, obvio, depois de passado o período de carência. Ai a moça pediu para ver a carteirinha, olhou o documento e resolveu minha dúvida em duas frases: “ não tem escrito ‘rede nacional ‘, aqui não aceita”. Depois liguei para Unimed e me avisaram que o plano de João Victor é de cobertura nacional, p-o-r-é-m, não cobre hospitais de alto custo e que, no Recife, os tais hospitais de alto custo são o Português, Santa Joana, São Marcos, São José e Hospital Esperança. Ora, se o plano “top” da Unimed João Pessoa não é aceito nos melhores hospitais do Recife, o que será de nós se precisar ir ao HCor?

Desiludido da Unimed, voltei às pesquisas e resolvi contratar a MEDIAL SAÚDE, com cobertura nacional e com direito a bons hospitais, inclusive o HCor. Assinei o contrato e paguei a primeira parcela à corretora, que ficou de me contactar para agendar a perícia que o plano exige, especialmente porque declarei que ele já fez cirurgia cardíaca e tem síndrome de down.

Sei que desde semana passada que tento em vão agendar a tal perícia. Depois de muitas histórias mal contadas e desculpas esfarrapadas, disseram-me para procurar outra opção de plano de saúde, que a operadora MEDIAL não tinha interesse em admitir meu filho, pois trata-se de um usuário, que com certeza, dará mais despesa que redimento.

Fiquei mudo, petrificado, suspenso por um misto de revolta e incredulidade. Que mundo perverso esse que meu anjo resolveu habitar?!

Eu sabia que, se pudessem, as operadoras de plano de saúde recusariam a adesão de velhos, portadores de AIDS, câncer e toda sorte de doença grave. Que não incluíram jamais as crianças autistas, as downs, as portadores de paralisia cerebral e todas as demais com qualquer doença ou incapacidade decorrente de má formação congênita. Sabia, mas não acreditava que fossem capazes de desafiar a lei, especificamente uma lei, a Nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que no artigo 14 diz: “Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde”. Mas estão impedindo João Victor. Por enquanto, porque vou lutar para que seja admitido. Não será o preconceito tacanho de alguns que determinará as escolhas que hoje fazemos por João Victor nem as opções que ele fará no futuro. Se não reajo, daqui a pouco ele só irá brincar no parquinho no horário de menor movimento, só sentará na mesa mais escondida do restaurante, terá de viver recluso para não chamar a atenção ou não causar “desconforto” aos não downs, tidos sãos, que se acham normais, mas que, na verdade, são pobres, deformados de alma.

É preciso dizer basta enquanto se pode falar, enquanto a boca ainda está livre da mordaça, enquanto estamos de pé. Porque, depois de calarem a nossa boca, quebrarem nossas pernas e nos colocarem de joelhos, será tarde demais. Retomar território perdido é muito mais difícil do que avança na conquista e, mais ainda, do que manter o que já conquistamos.

Gostaria que fosse menos trabalhoso criar meu filho. Mas não troco essa dádiva por nada desse mundo. A alegria que ele me dar suplanta toda a fadiga.

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quinta-feira, 9 de junho de 2011

UM POUCO DE PAZ




Se me fosse dada a chance de realizar um desejo, assim, como na história fantástica de Aladim e lâmpada maravilhosa, desejaria que todas as semanas da minha vida sejam como as duas mais recentes. Que não fosse exatamente iguais, porque algumas coisinhas precisam melhorar, mas, em relação a João Victor, foram perfeitas.

A medicação que tomou para gripe, especialmente o antibiótico e os remédios para expelir as secreções, foram um santo remédio. A tosse foi embora, ele voltou a comer - limpa o prato todo e logo depois derruba uma madeira de suco ou leite de soja. Brinca o tempo todo, só para quando dorme... e que sono lindo, respiração tranquila, semblante sereno.

Para que se recuperasse totalmente, não o levamos para a escola na semana passada. Coitada da mãe que teve de se desdobrar para aguentar o pique do rapaz. Nesta semana voltou às aulas em clima de festa junina. Está ensaiando na quadrilha do maternal, se não cair no sono antes, mostrará suas habilidades dançantes no próximo sábado à noite no “arraiá do materná”.

Amanhã tem uma consulta médica agendada, talvez tome vacina depois, tudo no Recife. Sempre tem uma coisinha pra cuidar, sempre um pouco de medo e frio na barriga nessas idas aos consultórios. Mas, o que se há de fazer? Viver é isso que a gente faz. Um dia de cada vez.

Passado o sufoco da última semana de maio, as duas semanas seguintes, em que João Victor foi só sorrisos, comilanças e traquinagens, fortaleceram meu ânimo. Pensei na canção, afinal, não importa “quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz”, sonhar e viver, até mesmo um sonho impossível, deve ser, sempre, a minha lei, a minha questão.
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sexta-feira, 27 de maio de 2011

LUA, LUAR, TOMA O TEU ANDAR




“Meu Deus, será que eu crio essa menina? “ – Valéria contou que ouviu a frase da boca da mãe de Maria Eduarda, uma menina down que estuda na mesma escola de João Victor. A mãe de Dudinha confessou que carregou essa dúvida, silenciosamente, durante toda a primeira infância da sua filha. Só relaxou depois que ela passou dos 5 anos de idade. Diz ela ser impossível contar quantas vezes saiu de Goiana para o Recife, desesperada em busca de socorro médico para tratar uma febre repentina, uma tosse que não dava trégua, uma provável “virose”.

A antiga dúvida dela, tem horas que é minha. mesmo que seja por 1 fração de segundos, a frase estala na minha mente. E vem junto com uma cantiga de roda que aprendi na faculdade de música:


“Lua, lua, toma o teu andar / pega esta criança e me ajuda a criar / depois de criada retorna a me dar / lua, lua, luar, toma o teu anda”

Todo mundo diz que é assim mesmo. Que criança em idade escolar tem uma virose atrás da outra. Que passa. Aff... mas como passa devagar. Dizem que depois dos 5 anos isso estabiliza. Queira Deus que sim.

Desde novembro do ano passado que João Victor não passa um mês sem ficar doente. Fora a dengue e o furúnculo que ganhou junto com o pai, geralmente tem algum tido de gripe ou essas doenças que os médicos não sabem diagnosticar e chamam simplesmente de virose.

Agora está saindo de uma gripe pesada, duas semanas depois de tomar a primeira dose da vacina contra a gripe.

Terça-feira, levei-o a pediatra, no Recife. Na ausculta ela suspeitou de pneumonia e nos mandou fazer um raio- x com urgência. Saímos do consultório dela com o antibiótico na bolsa para usar no caso de confirmada a suspeita. Fomos direto à emergência do Santa Joana, isso mais de 17 horas. Às 21:30 depois de uma medicação para febre frustrada pelo banho de vômito que ele nos deu logo em seguida, saímos de lá com um raio-x de pulmão manchado, porém não eram manchas de pneumonia. Um pouco aliviados, certos de que era só mais um gripe, constamos aos chegar em casa, por volta das 23 horas, que a respiração dele estava muito forçada. A agonia não dava trégua.

Por Valéria teríamos voltado ao Recife na mesma hora. Mas estávamos, todos, um bagaço só. Desde o meio dia na estrada. Descansar era o melhor remédio para nós três.


Mas a noite foi longa, como longa tinha sido a do domingo para segunda e da segunda para terça. Nessas três noites dormi menos de 7 horas, ao todo.

Na quarta, foi impossível chegar no trabalho na hora certa. Às 8:30 eu estava acordando, depois do quinhão de 3 horas de sono a que tive direito na noite.

O sintoma de respiração cansada nos fez apelar para a cardio-pediatra. Fizemos a consulta ontem. Ela descartou qualquer problema cardíaco e confirmou o quadro de não pneumonia, mas, devido aos ruídos na ausculta e ao cansaço noturno, ela achou por bem tratar dele com os antibióticos reservados para a pneumonia.

Agora ele dorme tranquilo. A respiração já se normalizou. Está quase curado. O xarope para a tose, as nebulizações, o antibiótico, a água em abundância e, principalmente, o carinho dos pais parece que estão fazendo um bom efeito e hoje ele já voltou a fazer arte. Dando os transtornos que só ele sabe fazer e que, em vez de nos deixar bravos, rimos da situação. Como no caso do balde cheio d’água que hoje à noite, num descuido meu, ele entornou na sala.

Quando ele ri, meu mundo se ilumina com a esperança que vou conseguir criá-lo sim. E Sem apelar para a lua.
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sexta-feira, 15 de abril de 2011

JOÃO VICTOR FAZ 3 ANOS


Hoje é o dia do aniversário do meu filho. Hoje ele faz 3 anos. O menino mais lindo e amado do mundo dorme na minha casa e todas as manhãs me desperta balbuciando a primeira vogal do alfabeto de um modo que inimitável, inconfundível, para avisar que o dia começou e está na hora da mamadeira matinal.

O dia todo não para. Corre a casa toda, mexe em todo que estiver ao seu alcance. Adora música e imagem, juntas. O aparelho de DVD não acompanha seu pique. Do seu jeito, canta e dança, enchendo o ambiente de felicidade.

Ao fim do dia, o pai está um bagaço. Também, pudera, ser pai aos 40 de uma criança espoletada como João Victor é como disputar uma São Silvestre diária. Quando ele dorme, o mundo se aquieta ao seu redor, ate parece que a natureza precisa de uma pausa para renovar as energias.

Hoje meu filho faz 3 anos, e como parece um menino de um ano e meio nem vai curtir a festinha do parabéns que faremos domingo à tarde. Por isso já estamos pensando na festinha dos seus cinco anos, idade em que ele saberá que a festa é dele. Hoje meu filho faz 3 anos e isso é entusiasmante porque até ele fazer as cirurgias contava sua idade em dias. Cada dia era uma vitória. A vitória da vida. Hoje podemos olhar mais adiante e sonhar com seu futuro.

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sábado, 5 de março de 2011

O MOSQUITO QUE ENGASGA

O pai olhando o filho receber soro

A última semana de fevereiro foi dureza.
Comecei com bomba no exame de direção. Estourei o tempo da baliza, dai, terei de pagar re teste.

Quando sai pra fazer a prova, na segunda-feira, deixei João Victor doente. Desde sábado que ele fazia febre, vômitava e não queria comer nada. Minha vontade era voltar pra casa. Tanto que fui um dos primeiros que tentou a baliza. Depois da bomba voltei pra casa. Ele já estava melhor, mas à noite teve febre de novo e continuava sem querer comer. Com muito esforço tomava a mamadeira. Era o que estava lhe sustentando.

O diagnostico veio no outro dia: dengue. O mosquito aedes egiptus pegou meu bê. Foi terrível. Tudo. Furar pro hemograma, a espera pelo resultado no Hospital Belarmino, a noite de angústia antes de viajar ao Recife pra internar João Victor no Santa Joana, na quarta-feira.

Felizmente ele conseguiu superar mais essa. Voltamos pra casa na sexta-feira feira à noite.

Para que a dengue não reapareça la em casa, fizemos nossa parte intonando toda água armazenada nos toneis – que sempre guardamos tampados no quintal. Também, resolvemos aproveitar o carnaval para dedetizar a casa. (Estou passando o carnaval na casa da sogra). Agora, difícil é convencer o pessoal da secretaria de saúde do município a fazer alguma coisa. Pedi “n” vezes ao coordenador de campanhas de saúde para mandar uma equipe lá em casa. Eles poderiam fazer uma varredora nela e em toda a vizinhança, mas, até agora, ninguém deu as caras. E duvido que venha a dar. Nem para notificar as duas ocorrências de dengue – a baba de João Victor também ficou doente – eles apareceram.

Goiana é o microcosmo do nordeste. O caos se expande a cada segundo que passa.

Por fim, se você encontrar um mosquito da dengue por ai. Converse com ele. Tente faze-lo entender que dengue em criança é mais que maldade, é judiação demais.
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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O PLANO DO B


Na semana passada fiz um, aliás, mais um, plano de saúde para João Victor. O outro plano não é ruim, mas não é aceito nos únicos hospitais com urgência cardiológica pediátrica do Recife – Real Português e Esperança. Também é um plano estadual, deixa sempre aquela insegurançazinha toda vez que saímos de Pernambuco.

O acontecimento que, de fato nos moveu à ação foi o desligamento de João Victor do programa filantrópico do HCor.

Como muitos de vocês já sabem, foi navegando no Orkut, mas precisamente na Comunidade Cardiopatia Congênita, que Valéria conheceu Márcia Adriana e, com ajuda dela e de outros anjos conseguimos que João Victor fosse incluído no Programa de Filantropia, o chamado Caso Social, do Hospital do Coração de São Paulo – HCor.

Ninguém, em sã consciência, ficaria feliz em perder um benefício que garante ao seu filho assistência médica num hospital privado de referência e renome internacional. Nós somos humanos e não gostamos. Mas compreendemos e consideramos justa a política de assistência social deles. Quando eu era pobre e desempregado eles abriram as portas para meu filho e por isso somos eternamente gratos. Agora que permaneço pobre mais tenho salário certo, é justo ceder a vaga para outro mais carente.

Espero nunca precisar, mas com o novo plano de saúde de João Victor, cumpridas as carências todas (2 anos), ele também poderá ser atendido no HCor.

Peço a Deus que me dê muitos anos de vida saudável para poder trabalhar e pagar esse plano e todo mais que ele precisar. A felicidade do pai é poder prover as necessidades do filho.

A contratação do plano de saúde é um capítulo a parte, que se eu fosse descrever dobraria o tamanho deste post – que por sinal está me saindo longo demais – vou apenas registrar o susto da corretora, com seu entre e sai nas salas da auditoria médica depois que eu declarei que o beneficiário, de pouco mais de 2 anos 9 meses, fez 2 cirurgias cardíacas e é portado da síndrome de Down.

Esses sustos nem me surpreende mais. A gente acaba se acostumando com esse olhar assustado dos outros sobre nós. "Narciso acha feio o que não é espelho".

No plano que ele tem desde que nasceu, quando fizemos a migração para apartamento a operadora o fez passar por perícia médica, nos "aconselhou" a desistir de sua inclusão, jogou o problema para diretoria, que protelou por quase um mês a definição sobre o caso e não demorou mais a definir-se, positivamente, acredito que por saber das nossas intenções de recorrer ao Judiciário, inclusive cobrando reparação por danos morais.

Agora, complicaram menos do que esperávamos. Paguei a primeira parcela e estou aguardando a carteirinha em casa. Acho que tudo está resolvido. Esperamos.
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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

APRENDER A VIVER: É ISSO QUE SE FAZ... A VIDA INTEIRA


Um tempo quis ser violoncelista. Tive umas aulas no Conservatório Pernambucano de Música com um “cellista” da Sinfônica do Recife. Mas essas aulas não me serviram de muita coisa, não aprendi tocar violoncelo. Daquelas duas ou três aulas ficou uma lição: certos encontros mudam a vida da gente para sempre.

Enquanto tentava me ensinar, em vão, o modo correto de segurar o arco, o professor falou que só conseguimos tocar bem um instrumento se fazemos dele uma extensão do nosso corpo. A coisa semelhante ao ganho de mais um membro, semelhante aos óculos: você fica tão acostumado a enxergar o mundo através deles que nem se da contar que sobre o nariz carrega um par de lentes sustentadas por uma armação. O instrumento muda nossa maneira de interagir com o mundo.

Um filho é algo parecido, pelo menos para os que aceitam a paternidade na sua totalidade. Ele muda nossa maneira de ver, agir e reagir. Meu tônus emocional depende do humor de João Victor. O menor sinal de desconforto dele já me deixa aflito. Hoje foram as assaduras, talvez consequência do calor de verão, final de novembro foi a virose. Essa reação, com certeza, tem muito haver com seu histórico de internações, as cirurgias, a UTI. Pode ser. O certo é que eu e Valéria ficamos muito, mas muito mesmo, “para baixo” com qualquer doença dele, mesmo aquelas que toda criança tem ao longo da vida.
Nosso encontro com João Victor foi radical.
Em nossos planejamentos, mesmo os mais triviais, ele está em primeiro lugar, pois a felicidade dele é a nossa também.


Talvez o nosso desafio, seja a superação da doença como ameaça perpétua e, também, encontrar um ponto de equilíbrio, um modo de garantir a ele, e a nós também, a liberdade para trilhar seu caminho, numa palavra: autonomia.

O fato de João Victor ser portador de síndrome de down não pode fazer dele um coitadinho. Ele não pode, alias, não temos como mantê-lo num redoma a vida inteira a salvo de todo o mal deste mundo.

Ele está com quase 3 anos. Ainda não fala. É esperado que os downs falem ao 5 anos. Então, temos que advinha pelos seus gestos e pelos sons que emite quais são as suas reivindicações, seus desejos. Se quer brincar de bola ou ver TV é fácil distinguir, difícil é saber quando quer banho, ou passear na rua. Porém, em muitas coisas o nosso corpo tem se tornado extensão do dele de modo totalmente desnecessário, como comer e tomar água ou leite. Ele já consegue pegar a colher e levar à boca, e também sabe segurar a mamadeira, mas não come nem bebe sem a mediação de um adulto. Precisava, nessa hora, se autônomo, mas não estamos sabendo lhe ensinar como se adquire essa tal autonomia.

Bom, o certo é que nessa caminhada, temos muito a aprender nessa feliz jornada ao lado desse rapaz que tanto amamos e não conseguimos imaginar o mundo sem a presença dele.

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