Andréia, advogada amiga, e nós no primeiro ano de Joao Victor
Nesses dias, estamos vivendo na expectativa do tratamento do Matheus e Ana Clara. Ele é de João Pessoa (PB), ela de Campo Grande (MS). Tanto um como a outra são downs, cardiopatas e em breve seguirão para internamento no HCor, em São Paulo.
Nossa empatia é maior com Ana Clara porque ela tem uma das cardiopatias do João Victor – tetralogia de Fallot e, nesse momento, apresenta o mesmo quadro clínico que nosso menino tinha às vésperas de embarcar para São Paulo: cianose grave e necessidade urgente de intervenção cirúrgica.
A tensão que agora vive a mãe de Clarinha, que também se chama Ana, é muito parecida com a que vivenciamos na véspera de nossa ida para o HCor. Assim como nós, ela precisou da intervenção dos anjos da comunidade para antecipar a internação no HCor que, segundo o cronograma de lá, só receberia a criança em 28 de julho, impossível resistir tanto tempo. Mas, graças a Deus que espalhou tantos anjos caridosos na terra, Ana Clara seguirá para internamento agora, nesta semana que se inicia.
Também, como nós, a mãe de Clara, que nesse momento deveria está se preocupando apenas com a arrumação das malas, ta tendo de enfrentar uma baita duma briga com a companhia aérea para garantir que sua filha viaja com um cilindro de oxigênio, uma garantia para o caso de algum desconforto respiratório durante o vôo. A mãe mandou toda a documentação para a GOL, mas eles negaram alegando uma besteira qualquer, do mesmo modo que a TAM fez comigo.
Ter esse equipamento disponível para umas poucas horas de vôo não é barato. Na GOL, não sai por menos de 900 reais e na TAM, que quando viajamos nos cobrou 650, agora custa os mesmos 650 mais o valor de uma passagem. Mesmo assim, as companhias aéreas colocam todo tido de obstáculo aos solicitantes e, via de regra, sempre negam o fornecimento desse serviço.
No nosso caso, fizemos a solicitação, por telefone, daí a TAM nos mandou, via e-mail, um formulário enorme para ser preenchido pelo médico de João Victor e para análise da companhia aérea. Enviamos tudo no início da semana porque íamos embarcar no domingo de madrugada, nosso prazo esgotava-se na quinta-feira. Na quarta-feira, eles, alegando uma falha no preenchimento do formulário, tão idiota que nem ou relatar aqui, disseram que o pedido nem seria analisado pela equipe médica deles. Depois de gastar quase todo o meu latim argumentando, deram-me a opção de reenviar o formulário para nova avaliação e, em contrapartida eles protelariam o prazo. Envie na mesma noite. Na sexta-feira as nove da manha disseram que o pedido havia sido aceito, que só faltava o pessoal de terra preparar o equipamento para que fosse emitida a fatura para pagamento do serviço. Tudo resolvido? Nada, o calvário estava só no começo.
Eu estava com Andréa, uma advogada aqui de Goiana que sempre nos socorre. Ela estava conseguindo as passagens de Valéria através da Prefeitura daqui e também o dinheiro para pagar o oxigênio. Estávamos na agência de viagem quando liguei para saber como pagar o O². Aí, ao meio-dia, eles me dizem que o pedido foi negado. E não só isso, que meu filho não teria acesso a nenhuma aeronave da TAM. Justificaram que eles tinham de pensar nos outros passageiros, que seria constrangedor uma criança passando mal dentro da aeronave. Nesse ponto perdi a compostura. Disse que meu filho estava sendo vítima de discriminação, que eu esperava que ele um dia sofresse algum tipo de preconceito por ter síndrome de Down, jamais pensei que ele seria segregado por ser cardiopata. Ai, acrescentei que eles escolheram a pessoa errada para briga. Quem eles não sabiam com quem estavam lidando. Disse que eles deveriam ter mais cautela com um nordestino pobre que conseguiu tratamento para seu filho no melhor hospital de cardiologia da América Latina, que esse nordestino é pobre mais não é burro e tem uma rede de amigos, espalhados pelo Brasil, que ai fazer muito barulho para denunciar que uma
companhia aérea, que precisa tanto melhorar sua imagem, está se negando a transportar uma criança que precisa de tratamento.
Um parêntese precisar ser aberto aqui. Naquela semana haviam entrado em vigor as novas normas para os call centers. Uma das determinações, dessa nova regra, é a da obrigatoriedade da gravação das conversas para uso futuro do consumidor que quisesse reclamar da qualidade do serviço, inclusive na Justiça; Talvez por isso, desde o dia anterior, toda vez que eu ligava para o 0800 da TAM e, assim que eu me identificava, eles derrubavam a ligação e, em seguida, ligavam para o meu celular. Ou seja, desse modo não juntavam provas contra eles.
Continuando. Eu atordoado, Andréia foi quem tomou as rédeas da situação. Disse, Bosco, a gente vai entrar com um pedido na justiça. Depois de alguns telefonemas, corremos, literalmente, para o Recife. Antes passei em casa, mas não disse a verdade a Valéria. Ela que já estava tão tensa com o estado delicado em que se encontrava João Victor e, de tão apreensiva com essa viagem, não teria como administrar a possibilidade da gente não embarcar no domingo. Então inventei uma história de que o pagamento do oxigênio deveria ser feito no aeroporto e corri com Andréia para o Recife. Lá já havíamos feito contato com Renê Patriota, que destacou uma estagiara da
Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (ADUSEPS) para nos receber e preparar a petição.
No caminho, recebo mais uma ligação da TAM. Pedem que eu envie, pela 3ª vez, toda a documentação para nova avaliação da equipe médica. Raciocinei com Andréia que eles, temendo o desdobramento dessa história, resolveram mandar outro médico dá um laudo autorizando o embarque de João Victor. Por outro lado, também poderia ser uma manobra para nos fazer perder tempo, visto que já passava das 15 horas da sexta-feira e nosso vôo era no domingo às 5:30 da manhã. Assim resolvemos agir nas duas frentes: re-re-enviar a documentação via fax para a TAM e também seguir para a ADUSEPS.
No apartamento de Andréia, no Recife, passamos o fax para TAM e depois fomos para a ADUSEPS. Lá, fomos atendido por Karen, estagiaria e filha de um ex-juiz de Goiana, muito conhecido de Andréa, Dr. Antonio Carlos. Foi ele quem nos colocou em contato com René e também se prontificou a auxiliar no que fosse preciso.
Na ADUSEPS, Karen nos falou do ineditismo da ação. Eles estavam acostumados a pleitear internação hospitalar, leito de UTI e outros serviços de saúde. Litigar para garantir transporte de doente mediante pagamento era a primeira vez. Depois soube que ela e o advogado da associação passaram a noite trabalham na petição. Segundo nos explicou Karen, eles dariam entrada no pedido de liminar no início do plantão judiciário, às 13 horas do sábado. Deferida a liminar, ela mesma iria com o oficial de justiça notificar a companhia aérea lá pelas 16 horas, segundo seus cálculos. Meus planos com Valéria eram sair de Goiana no sábado à tardinha e dormir na casa do Yeso para pegar o vôo de madrugada. Então, a gente chegaria no Recife sem ter a certeza do embarque. Melhor seria que a TAM liberasse o O² sem necessidade de apelar para o Judiciário.
Saindo da ADUSEPS, voltamos para o apartamento de Andréia. De lá telefonei para o 0800 da TAM. Novamente derrubaram a ligação e retornaram meu telefonema imediatamente. Já passava das 17 horas, escurecia. Queria muito ouvir deles que tudo estava ok, que João Victor podia embarcar, que o oxigênio seria instalado mediante o pagamento dos 650 reais. Mas, o que ouvi foi outro redondo e definitivo não. Tentei argumentar de todas as maneiras, implorei para assinar um documento me responsabilizando pelo transporte do meu filho, mas eles estavam irredutíveis. Foi ai que tivemos a idéia de acionar a imprensa. Graças aos conhecimentos de Andréa, conseguimos contato com os dois principais jornais do recife e a Rede Globo. Também liguei para Márcia Adriana, em São Paulo, que ficou de espalha a história nos bastidores da
comunidade do orkut (Valéria não podia ficar sabendo) e também fazer contato com uma amiga jornalistas do jornal O Estado de São Paulo Daí a pouco nossos telefones não paravam de tocar. Teve uma hora que eu ficava numa linha, Andréa noutra e mais outro telefone tocando. Tudo jornalista pedindo detalhes da história. Acreditávamos que a história sendo divulgada na mídia ajudaria a sensibilizar o juiz que iria julgar nosso pedido.
Pegamos a estrada de volta para Goiana pouco depois das 19 horas. No caminho, enquanto comia esfihas com suco de laranja minha primeira refeição do dia, o pessoal da Globo nos ligou para agendar uma entrevista na manhã do sábado para o NE TV, mas, como eles dizem, se rendesse, também seria exibida no Fantástico. Eles também me animaram com a informação que obtiveram junto à ANAC de que as companhias aéreas são obrigadas a fornecer o serviço toda vez que ele for solicitado. Mesmo assim, eu estava tenso e temeroso com possibilidade de João Victor não poder viajar, justamente no momento em que sua situação clínica pedia urgência. Temia pelo pior.
Quando chegamos na rua da minha casa, em Goiana, o telefone toca. Era o vice-presidente da TAM, em pessoal, ligando pra mim, de São Paulo. Inusitada foi a hora. O sudeste nessa época do ano tem horário de verão, então, lá já passava das 22h30. Ele começa dizendo que eu não me preocupasse com nada relacionado a viagem, estava ligando para me dar garantia que meu filho iria embarcar com o oxigênio, no vôo da minha escolha. Também pediu desculpas pelo tratamento que eu recebi dos funcionários e que, a partir daquele instante, quem cuidaria do meu caso era o supervisor regional da companhia. Disse que o mesmo me ligaria logo em seguida para confirmar tudo. O supervisor ligou imediatamente, disse que estava falandoo do seu telefone celular particular, que eu poderia anotar o número e que, a qualquer hora, eu podia ligar para ele caso desejasse. Disse que no aeroporto estariam ao meu dispor dois funcionários da TAM, para tudo que eu e minha família precisasse, que eu não precisaria fazer check-in, que esses funcionários cuidariam de tudo, bastando apenas que comparece cedo e procurasse por eles no balcão na empresa.
Entrei em casa. Andréia estava conversando com o pessoal na sala, sentada no chão. Ai gritei: “ a TAM abriu as pernas!” Andréia, num pulo me abraçou, chorando aos soluços, feito uma criança, descarregando toda a tensão que guardara desde o meio dia.
Minutos depois o pessoal da imprensa passou a me ligar, perguntando se a TAM tinha feito contato comigo reconsiderando a negativa. Nessa nova conjuntura, a Globo desmarcou a entrevista, mas garantiu que estaria com uma equipe de plantão a postos no aeroporto e, caso a gente tivesse algum dificuldade no embarque, era só ligar que eles chegariam lá rapidamente. O pessoal do Jornal do Commercio também não achava mais necessário publicar nada. Já Ana Braga, do Diário de Pernambuco, entendeu que essa história merecia um registro, para que outras pessoas não sofressem a angustia que sofri, e publicou uma linda reportagem intitulada
Esperança para João Victor, que circulou com grande destaque na edição impressa do jornal, no sábado.
No aeroporto, fomos muito bem tratados, paparicados. No avião nos deram as cadeiras preferências. O comandante do vôo, em pessoa, cuidou de toda a nossa acomodação junto das comissárias de bordo. Só na hora do embarque ensaiou-se um incidente devido a falta de clareza sobre o pagamento do O², mas foi só um ensaio. Quando eu já ia sacar o cartão de crédito para debitar o serviço, veio uma ordem “lá de cima” ( isso mesmo foi o que ouvi) , uma ordem lá de cima dizendo que meu embarque deveria ser providenciado independente de pagamento. Fomos sem pagar pelo oxigênio, que, durante o vôo, nem foi usado, mas precisávamos salvaguarda para alguma emergência.
Esse longo post foi é um registro da minha gratidão à Andréa, que largou todos os seus afazeres naquele dia para salvar a vida do meu filho e que, em muitas situações tem nos ajudado a cuidar dele, intercedendo por nós na prefeitura e em várias lugares. Também é um recado para Ana, a mãe de Clarinha e outros pais de cardiopatas, mostrando que as lutas que temos a enfrentar pela vida dos nossos filhos não são poucas nem fáceis de vencer, mas quem tem amigos e Deus do seu lado luta com esperança, e sempre será vitorioso.
.
.
.